OrisaBrasil conversou com a Dra Maria Alice que está a frente de um movimento para salvaguardar a pedra de Xangô na cidade de Salvador.
“A Pedra de Xangô é um patrimônio cultural, geológico, simbólico, mítico da cidade de Salvador – Bahia.
Salvador é uma das cidades mais desiguais do país. Herança da colonização, a sua organização sócio-espacial sempre foi pensada para excluir os menos favorecidos e esta lógica perdura até os dias atuais. Outrora, os quilombos constituíam-se em uma alternativa para a população negra escravizada. Na contemporaneidade, a periferia (o chamado miolo, subúrbio e área norte) é onde se concentra a maioria dos bairros pobres, formados por um número expressivo de afrodescendentes. A ausência de políticas públicas – infraestrutura, saneamento básico, segurança pública, sistema de saúde, sistema educacional, espaços de cultura e lazer direcionadas à população negra consolida e aprofunda a segregação étnica- racial na cidade.
É considerada a cidade mais negra fora da África, a matriarca Roma Negra que “canta” os seus terreiros de candomblé, a capoeira, os afoxés, os blocos afros, as baianas e o seu rico patrimônio cultural afro-brasileiro. Mas, esta é a mesma cidade que ao longo da sua existência sempre produziu um dos mais segregadores e racistas planos diretores das capitais brasileiras. Os governos municipal e estadual, através dos órgãos de turismo, propiciam condições para que o rico patrimônio cultural afro-brasileiro seja agenciado e apropriado pela indústria cultural, a indústria do axé, a indústria do turismo, notadamente do turismo étnico. Com isso, transformam o povo negro da cidade em algo exótico, pitoresco, um fetiche, uma mercadoria, sem garantir a proteção dos seus símbolos sagrados.
A proposta de criação das Unidades de Conservação desenvolveu-se no âmbito de uma pesquisa acadêmica onde a preocupação com: o sagrado, o patrimônio cultural, o lugar, o meio ambiente, as relações étnicas-social foram determinantes nas tomadas de decisões. A cartografia da APA Municipal Vale do Assis Valente e do Parque em Rede Pedra de Xangô buscou garantir no PDDU (2016) uma parcela dos direitos secularmente negados a população negra: o direito à cidade. Encaminhada à Câmara de Vereadores, através de emenda parlamentar, a proposta viabilizou a criação de instrumentos legais de proteção e preservação da Pedra de Xangô localizada em área considerada remanescente de quilombos, morada dos índios tupinambás, morada dos deuses, orixás, voduns inquices e encantados.” (Site Pedra de Xangô)
1 – Quem é Maria Alice Pereira da Silva?
Advogada, Mestra e doutoranda em Arquitetura e Urbanismo pela UFBA, membro do Grupo de Pesquisa EtniCidades FAU –UFBA, professora da Residência em Arquitetura e Urbanismo – Especialização da Universidade Federal da Bahia., ex- Secretária Municipal da Reparação da Cidade de Salvador, primeira presidente da Comissão de Proteção e Defesa dos Direitos dos Afrodescendentes – OAB/BA, sócia efetiva do IGHB (Instituto Geográfico e Histórico da Bahia) e membro do IAB (Instituto dos Advogados da Bahia). Estudiosa das questões afro-brasileiras. Atua na área de direitos humanos, inclusão social e políticas públicas. Autora do livro “Pedra de Xangô: um lugar sagrado afro-brasileiro na cidade de Salvador”. Edita o site www.pedradexango.com.br.
2 – Você poderia falar um pouco sobre a Pedra de Xangô em Cajazeiras – Salvador – Bahia?
A Pedra de Xangô possui mais de 2 bilhões de anos, é uma área considerada remanescentes de quilombos, morada dos índios tupinambás, dos orixás, inquices, voduns, caboclos e encantados. É um lugar sagrado, encruzilhada religiosa, comunitária me política do povo de candomblé, centro de convergência de diversos rituais privados, semi-públicos e públicos de uma infinidade de terreiros que se comunicam e se conectam em redes.
3 – Qual o seu interesse com o tema?
A Pedra de Xangô foi o tema da minha dissertação junto ao Programa de Pós Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal da Bahia. A pesquisa foi defendida em março de 2017 e contribuiu para a criação junto ao Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano da cidade de Salvador (2016) do Parque em Rede Pedra de Xangô e da APA Municipal Vale do Assis Valente; o tombamento da Pedra de Xangô como patrimônio cultural da cidade de Salvador (2017) pela Fundação Gregório de Mattos (FGM); o reconhecimento como patrimônio geológico de relevância nacional (2018) pelo Serviço Geológico do Brasil (CPRM); Em 2019 foi publicado o livro de minha autoria Pedra de Xangô: um lugar sagrado afro-brasileiro na cidade de Salvador.
4 – O que te impulsionou a estudar a Pedra de Xangô?
Desde 2005, o povo de terreiro de Salvador lutava em defesa do tombamento da Pedra de Xangô, sem contudo lograr êxito. Enquanto advogada, entendia que o pleito preenchia todos os requisitos legais, todavia não existia nenhum estudo etnográfico que pudesse subsidiar a salvaguarda do bem cultural. Então resolvi me debruçar sobre o assunto e um dos meus primeiros estudos foi tentar entender a importância do elemento pedra na cosmovisão africana.
5 – Como surgiu a interlocução com a cidade de Oyó?
Em meados de 2014, o povo de terreiro de Salvador estava organizando um seminário, a se realizar no dia 06 de agosto com a finalidade de apresentar a Pedra de Xangô a sociedade soteropolitana e mostrar a importância do seu tombamento. Neste ínterim o povo de terreiro, recebeu a notícia que o Alaafin de Oyó e sua comitiva estaría de 28 a 31 de julho em Salvador para participar do primeiro seminário compartilhado entre o Brasil e a Nigéria.
Um dos objetivos do evento era buscar apoio para a inclusão da cidade de Oyó na lista do patrimônio da humanidade da UNESCO. O povo de terreiro ficou muito feliz com o anúncio. A visita do Alaafin de Oyó, Obá Lamidi Olayiwola Adeyemi III foi o bálsamo e muito contribuiu para o reconhecimento da Pedra de Xangô como patrimônio cultural em 2017.
Hoje, sentimo-nos na obrigação de retribuir esse apoio lançando um abaixo assinado on-line pelo conhecimento da cidade de Oyó. Tudo isso para demonstrar a importância do fenômeno diaspórico, de que forma ocorrem as mediações culturais, quais os laços e trocas de solidariedades.
6 – Que mensagem você nos deixa?
A visita do Alaafin de Oyó é tema de um sub-capítulo do livro “Pedra de Xangô: um lugar sagrado afro-brasileiro na cidade de Salvador” e eu concluo essa entrevista com esse pequeno texto constante no livro: “É a Pedra de Xangô se colocando em uma das encruzilhadas do mundo transatlântico – lugar da convergência entre Brasil x África, Bahia e Benin, Salvador e Oyó na luta do povo de santo pelo tombamento municipal da pedra e o reconhecimento da cidade de Oyó como patrimônio cultural pela UNESCO.
Um busca apoio, força e referência no outro, como estratégia de fortalecimento dos seus pleitos” (SILVA, 2019, p.135). Pedra de Xangô é enredo, é rede, # todosporoyó.
Que saber mais sobre o projeto? visite o site: http://www.pedradexango.com.br/ o Instagram @pedra.de.xango
Quer ajudar na salvaguarda de Oyo? Assine o abaixo assinado: https://www.abaixoassinado.org/abaixoassinados/48774
A pedra de Xangô já sofreu com vandalismo: http://g1.globo.com/bahia/noticia/2014/11/pedra-sagrada-do-candomble-na-ba-e-pichada-e-oferendas-sao-destruidas.html
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