Aborto em área yorùbá
Os Yorùbá são formados pelos grupos de várias etnias que residem a África Ocidental e com maior população vivendo em Nigéria.
30% deles são de praticantes tradicionalistas de Orisa e o restante foi convertido para o islamismo e cristianismo.
Para o contexto deste texto chamarei de Yorùbá de forma generalizada para me referir aos praticantes de Orisa de área Yorùbá.
Lei Federal
A Constituição Federal atual da Nigéria imputa a prática de aborto como crime que pode levar até 14 anos de prisão, mas isso não quer dizer que abortos não ocorram. Assim como em muitos locais do mundo, mulheres recorrem a diversos recursos para executar tal ato.
Segundo a autora do livro Secret Strategies: Women and Abortion in Yoruba Society, de 2003, Winny Koster, as mulheres que com mais frequência buscam o aborto são jovens.
A autora ainda salienta que quase toda a comunidade nigeriana (inclui todas as vertentes religiosas) tem como padrão de boa conduta que a mulher seja virgem antes do casamento, apenas devendo ter filhos se for casada.
O aspecto moral da comunidade yorùbá ligada aos Orisa:
O casamento tradicionalista yorùbá permite que homens tenham mais de uma esposa, e as esposas, um único marido. Quando se casam, normalmente as mulheres mudam-se para o vilarejo do marido.
Quando a mulher deixa a casa de seus pais, é tradição que ela receba um Oja (um pano que se amarra nas costas) ,que é usado para carregar crianças: é um símbolo da prosperidade para ter filhos, e um sinal social de que filhos são desejados para aquele casamento.
Dentro do culto de Orisa, podemos ver muitos versos trazendo Ire Omo, a prosperidade para ter filhos, é explicito ali que filhos são consideradas bênçãos na vida.
O casamento yorùbá tem se modernizado ao longo dos anos, porém ainda é intrínseca a compreensão de que o casamento não se baseia apenas no amor ou desejo, mas, sim, engloba uma união familiar.
A moralidade sobre a compreensão de uma família prospera, e a condenação social é um forte peso para que a mulher, em alguma circunstância na qual engravide fora ou antes do casamento, queira recorrer ao aborto em segredo.
Os yorùbás, de um modo geral, condenam o aborto baseados no argumento de que a mulher possui a essência primária da reprodução e continuidade; existe a ideia sobre o benefício da ascendência e da descendência; ter filhos é a certeza da continuidade de um legado; no entanto já entraram em discussão para determinar quando a vida no feto realmente começa. Alguns tradicionalistas acreditam que a vida do feto só começa depois de 4 meses e que, ao sofrer ou provocar um aborto, não haveria infração contra a vida em si.
Quais as circunstâncias levam as mulheres Yoruba a decidirem fazer um aborto:
-Não querem ser mãe naquele momento;
-Ter engravidado recentemente
– Não acreditam que seus companheiros vão conseguir dar suporte;
– Sofreram estupro;
– Tiveram um romance passageiro e ficaram grávidas;
– Já têm muitos filhos;
– Tem medo do estigma social de enfrentar uma gravidez não desejada;
– Relação extraconjugal;
– A morte recente do marido;
– Problemas financeiros;
– Medo de contar para a família.
Entre outros…
As causas que levam as mulheres declinarem a possibilidade do aborto mesmo que a gravidez seja indesejada: Medo de morrer com o procedimento, gravidez em estado avançado, medo que após o procedimento não seja mais fértil, medo da condenação religiosa , não aprovação da família e custos.
Onde as mulheres yorùbá buscam ajuda?
A maioria das mulheres recorrem a clínicas e hospitais clandestinos para fazerem práticas abortivas, vão até os sacerdotes e as sacerdotisas, e/ou apenas herbalistas, que já tenham uma medicina pronta.
Olomo were – são tradicionalistas yoruba ligadas ao conhecimentos da fertilidade.
Onisegun; conhecedores de medicinas, normalmente fazem uso de recursos ligados ao conhecimento de orisa.
Sacerdotes de Orisa/Sociedades: os que cuidam e sabem dos segredos das deidades.
Herbalistas .. já não mais ligados as praticas e Orisa, podem ser islâmicos ou cristãos vendendo preparados de ervas medicinais.
Como o aborto é vetado por lei na Nigéria, nenhum praticante tradicionalista ou médico irá deliberadamente comunicar que o faz.
Os sacerdotes e herbalistas nem sempre aceitam o caso, contudo avaliam o contexto em que essa mulher está inserida e, para evitar uma tragédia maior, um aborto pode ser recomendado.
As tragédias maiores incorrem em fuga da mulher da comunidade; tentativas de autoaborto que poderiam ocasionar a morte da mulher; punição severa da família ou comunidade, em caso de estupro; a má reputação da mulher, vista então como “de pouca sorte”, que terá dificuldade de encontrar um marido; ameaças de suicídio etc.
Um sacerdote antes de tudo avaliará se a criança no ventre não se trata de um antepassado querendo renascer.
Em casos de estupro, a mãe e a criança serão avaliadas, a mãe poderá passar por vários procedimentos a fim que se tire o “mau” causado pela violência física, mental e também espiritual, pode ser avaliado se existe algum método para que, se criança nascer não seja alvo de algum mau espiritual.
Em caso de gravidez por adultério: vamos lembrar que muitos casamentos, antes de acontecerem, podem ter tido a aprovação oracular sacerdotal, anciões aprovaram a união, um aborto poderá ser avaliado, para que o acontecimento não possa destruir a expectativa e descredibilizar a todos.
O livro Laws and Customns of Yoruba people, 1906-1924 de Ajise Moore dá uma ideia dos sistemas yoruba de julgamento e punição social. página 34: Adultério é um crime, em ambos os casos, homens e mulheres sofrerão punição, a mulher sofrerá punição da família e do marido.
As pesquisas referendas na bibliografia, mostraram que a maior parte dos relatos de mulheres que buscaram aborto, não eram casadas ou gravidas de seus maridos. No contexto do casamento, as mulheres e homens yorùbá entendem filhos como um fator de benção na vida, mas ainda que menos notificado, mulheres casadas, , também registraram que buscaram ajuda para o aborto, pois não julgavam ser o momento certo de ter filhos.
A função sacerdotal não é aceitar todos os pedidos que chegam, mas, sim, avaliar caso a caso a situação, a fim de que se tenham mais ganhos sociais positivos. Apenas sob o entendimento da prosperidade yorùbá de ter filhos, esse dilema não se resolve. Já que existem em muitos casos, o desvio notório do carater humano, como no caso do homem estuprando mulheres.
O distúrbio social é, em si, a derrota religiosa. Sinal de que a religião não conseguiu completamente imputar seus valores para que a comunidade seja sadia, não evitou o estupro e outras situações. Assim, terá que lidar de alguma maneira com o problema.
O problema a respeito do estupro em todos os locais do mundo é um só: não devemos ter estupradores.
A comunidade Yoruba é dotada de cultos que são especializados em punir efetivamente a falta de integridade moral, o culto a Oro ou Ogboni são dois destes casos, com mais força no passado, há inúmeros relatos de serem considerados os justiceiros yoruba, e dentro das próprias comunidades é comum que exista um grupo que forma o conselho e eles podem também tentar dirimir os conflitos locais, em ultima instancia o Rei, que pode condenar severamente alguém. Hoje em alguma esfera o sistema yoruba ainda funciona, mesmo que com uma outra lei federal vigente, com corte, policia advogado e juri.
Buscando referencias sobre o assunto, foi interessante notar que por conta das dogmáticas cristãs e islâmicas serem ainda mais rígidas em relação a mulher e a gravidez, encontrei relatos que buscaram tradicionalistas de Orisa para ajudar a abortar.
Evidente também que dependerá do olhar de cada sacerdote sobre o caso, e dentro de todas sociedades do mundo, haverão aqueles que, são a favor e contra o aborto.
Os novos yorùbá
A juventude yorùbá está abandonando os ritos tradicionais. É possível ver cada vez mais jovens com numerosos filhos, sem que estejam comprometidos em um relacionamento de casamento. Há rapazes cientes sobre as suas responsabilidades , e os que não são participativos. Ainda assim é a para a mulher que a vida pode se tornar mais difícil após ter filhos antes de um casamento, e em algumas comunidades, já sofrem um pouco menos com a punição social, mas será mais difícil que ela consiga uma união estável.
Evidente que a comunidade yorùbá está revendo seus próprios conceitos, assim como a nossa sociedade também está. Neste exato momento, no Brasil, estamos discutindo se aborto é uma prática aceitável ou não.
Minha conclusão é que mulheres no mundo enfrentaram e enfrentam os mesmos problemas, e o principal é não ter respaldo maior para decidir sobre seu próprio corpo. Com isso, buscam qualquer tipo de ajuda para que possam solucionar o caso e colocam em risco sua própria vida. Em algumas situações, os riscos de perder a própria a vida ou de ter um filho indesejado acabam por ter igual peso na hora da decisão de abortar.
Referências Bibliográficas:
KOSTER W. Secret Strategies: Women and Abortion in Yoruba Society Nigeria. PhD thesis. Faculty of Social and Behavioural Sciences (FMG). Amsterdam Institute for Social Science Research (AISSR). [Internet]. Amsterdan, p. 419, 2003. Disponível em: <https://pure.uva.nl/ws/files/3588332/29478_Thesis.pdf>. Acesso em: junho de 2022.
RENNE EP. The pregnancy that doesn’t stay: the practice and perception of abortion by Ekiti Yoruba women. Soc Sci Med, v. 42, n.º 4, pp. 483-94, 1996.
TEMISANREN E. Views of women in Yoruba culture and their impact on the abortion decision. Women Health, v. 22, n.º 3, pp. 1-8, 1995.