Na tradição yorùbá, o universo é dividido entre o Àiyé (o mundo visível, onde vivem os seres humanos) e o Ọ̀run (o domínio invisível dos espíritos, ancestrais e Òrìṣà). Entre esses dois planos, existem múltiplas categorias de seres espirituais, conhecidos coletivamente como ẹ̀mí, irúnmọlẹ̀, ajogun e ànjọ̀nú — espíritos com graus variados de consciência, poder e função.
Segundo o Dictionary of Modern Yoruba de R. C. Abraham (1958), o termo “Ànjọ̀nú” designa “a spirit, goblin, or supernatural creature” — ou seja, um ser espiritual não humano, geralmente associado a locais sagrados, florestas, rios ou cruzamentos de caminhos.
O termo também aparece na literatura clássica yorùbá, como em Ògbójú Ọdẹ nínú Igbó Irúnmọlẹ̀ (1938), de D. O. Fagunwa, onde a figura de Ànjọ̀nú Ìbẹ̀rù (“o espírito do medo”) representa uma força espiritual que habita a floresta e desafia o caçador iniciado.
Essas referências mostram que Ànjọ̀nú é um conceito vivo na imaginação espiritual yorùbá, anterior ao cinema contemporâneo.
📜 Etimologia e sentido espiritual
A análise linguística yorùbá sugere que o nome Ànjọ̀nú combina o prefixo “à-” (marca nominal que cria substantivos de ação ou estado) com a raiz “jọ̀nú” — relacionada à ideia de “perder-se”, “vagar”, “transitar”.
Assim, Ànjọ̀nú pode ser entendido literalmente como “aquele que vaga”, “espírito errante” ou “entidade que transita entre os mundos”.
Na cosmologia yorùbá, esses espíritos são frequentemente descritos como forças intermediárias — nem totalmente benevolentes, nem necessariamente maléficas. Eles habitam regiões liminares (encruzilhadas, florestas, margens de rios), onde o Àiyé toca o Ọ̀run.
🕯️ Função simbólica e espiritual
Em muitos contextos tradicionais, os Ànjọ̀nú representam:
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A presença do invisível — lembram aos humanos que há forças além da percepção material;
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A instabilidade espiritual — espíritos que perderam o equilíbrio entre os mundos, podendo causar medo, loucura ou revelação;
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A manifestação de poder ancestral — alguns babaláwo e olórìṣà descrevem encontros com entidades desse tipo durante rituais noturnos, como guardiões das florestas sagradas.
Wande Abimbola, em Ifá: An Exposition of the Ifá Literary Corpus (1976), explica que os yorùbá reconhecem múltiplas categorias de seres espirituais, algumas ligadas diretamente a Òrìṣà e outras independentes, chamadas genericamente de ẹ̀mí àìníra (“espíritos sem corpo humano”). É nesse campo que se encaixa o conceito de Ànjọ̀nú.
🌿 Relação com Ajogun e Irunmọlẹ̀
Segundo Bolaji Idowu (Olódùmarè: God in Yoruba Belief, 1962), os ajogun são forças destrutivas que testam a resistência humana.
Os irúnmọlẹ̀, por sua vez, são divindades primordiais criadas por Olódùmarè.
Os Ànjọ̀nú situam-se entre essas duas categorias — espíritos que não pertencem nem ao panteão divino nem à ordem demoníaca, mas que habitam os espaços de fronteira espiritual.
Jacob Olupona, em City of 201 Gods (2011), observa que em muitas comunidades yorùbá há crença em espíritos autônomos da natureza (como ẹ̀mí igbo — espíritos da floresta), que são venerados com oferendas locais. O termo Ànjọ̀nú é usado, em algumas tradições, para designar essas presenças.
⚖️ Interpretação contemporânea
No imaginário atual, especialmente entre contadores de histórias, sacerdotes e produtores culturais nigerianos, o nome “Anjonu” é usado para representar a força espiritual que inspira medo, respeito e mistério.
Filmes e contos modernos que tratam de Anjonu Oba ou Anjonu Omo exploram justamente esse limiar entre o visível e o invisível — uma leitura simbólica da coexistência dos mundos.
Mas para quem conhece a filosofia yorùbá, Ànjọ̀nú não é um “demônio”, e sim um espírito que recorda a necessidade de equilíbrio entre Ọ̀run e Àiyé.
📚 Referências consultadas
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Abraham, R. C. (1958). Dictionary of Modern Yoruba. University of London Press.
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Fagunwa, D. O. (1938). Ògbójú Ọdẹ nínú Igbó Irúnmọlẹ̀. Lagos: CMS Bookshop.
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Idowu, E. Bolaji. (1962). Olódùmarè: God in Yoruba Belief. Longmans.
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Abimbola, Wande. (1976). Ifá: An Exposition of the Ifá Literary Corpus. Oxford University Press.
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Bascom, William. (1969). Ifa Divination: Communication Between Gods and Men in West Africa. Indiana University Press.
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Olupona, Jacob K. (2011). City of 201 Gods: Ilé-Ifẹ̀ in Time, Space, and the Imagination. University of California Press.