Culto a ORI na Visão de Altair TOgun
Altair era do candomblé Ketu, iniciado em Ogun – gerava polemica na busca de trazer mais conhecimento as casa de matriz africana do Brasil
Altair Bento de Oliveira, conhecido como Pai Altair Togun, partiu para o orun no dia 14 de janeiro de 2012.
Altair Togun, in: “Ori, o blog que faz sua cabeça”, http://blog.ori.net.br/?p=683
Apenas nosso adendo: Na Nigéria (não encontramos discordâncias) não se fala Igba Ori e sim Ile-Ori.
Quem foi Altair T’Ogun
Altair Bento de Oliveira, conhecido como Pai Altair Togun, partiu para o orun no último dia 14 de janeiro de 2012.
Apesar de adoentado há alguns anos, a notícia sobre a sua morte foi a princípio um boato que custou a ser confirmado, para nossa tristeza.
Sua família consangüínea não quis divulgar o óbito, preferindo manter reservado o luto e garantir a intimidade dos ritos fúnebres.
Pai Altair era discreto. Negro, magro, de estatura mediana, era um homem de voz baixa, mas dono de muita atitude.
Altair Togun tinha 46 anos de santo quando morreu. Ele foi iniciado para Ogun na Nação Ketu, em três de outubro de 1966, por Carlos Gonzaga, o Carlos de Obaluaiyê, no Município de Duque de Caxias, na Baixada Fluminense.
Eram tempos em que o saber religioso não era público, nem de fácil acesso. Inquieto e com fome de conhecimentos e respostas, se lançou muito cedo às pesquisas. O inquietava repetir os adurás (rezas) e os orins (cânticos sagrados) sem entender seus significados em português.
Foram cerca de 30 anos de pesquisas solitárias e persistentes. Queria conhecer o yorubá. Mas não existiam professores, nem dicionários. Ele ia então lentamente garimpando as palavras, lapidando as frases, esculpindo os textos, traduzindo para o inglês, depois para o espanhol, e finalmente chegando ao português. Tudo isso sozinho! Ele foi um autodidata.
Assim, foi o primeiro no Brasil a lançar um livro contendo músicas sacras com a letra em yoruba, sua fonética (pronúncia) e a tradução em português, anexando ainda 15 fitas cassete com um total de 15 horas de áudio dos respectivos 376 cânticos sagrados. Era sua primeira obra: “Nkorin S´àwon Òrìsà – Cantando para os Orixás”. O ano: 1993.
Naquela época, o preconceito no nosso meio era grande contra o registro escrito dos saberes rituais. Pai Altair foi muito criticado pela iniciativa, mas não pelo conteúdo da sua obra…
Ele não se abateu. Dois anos depois (1995), lança seu segundo livro, ainda mais contundente e detalhado: “Elégùn – Iniciação no Candomblé”, com prefácio de ninguém menos do que Agenor Miranda da Rocha, que assim concluiu o prólogo: “Sem entrar no mérito da polêmica acerca do que deva ou não ser publicado, saudamos mais esta contribuição aos estudos da cultura e religiões africanas no Brasil”.
A pesar disso, as críticas foram ainda mais severas e ácidas. Eram hipócritas, que renegavam a publicação, mas a consultavam em segredo nas suas casas…
Enquanto os mais tradicionalistas o boicotavam, o nome de Altair Togun crescia em admiração junto à nova geração que se constituía no Candomblé.
De tanto se debruçar no idioma yorubá, Pai Altair foi convidado a inaugurar o curso de Iniciação à Linguagem Yorubá, sendo professor convidado na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ). Ali, foi mestre de toda uma importante geração: Fernandez Portugal, Marcelo Monteiro, José Flávio Pessoa de Barros, José Beniste, entre outros.
Seu terceiro e último livro veio em 1998. Já descontente com a política editorial, lançou em produção independente sua obra prima: “Asese – O reinício da Vida”. Um trabalho completo, onde discorreu sobre o contexto histórico, as práticas atuais, as explicações litúrgicas, também com a tradução de rezas e cantigas. Novamente composto por um acervo de fitas cassete com todos os áudios. Um livro antológico sobre o tema.
A essa altura, desgostoso da vida, seja pelos problemas familiares, seja pelas decepções que colecionou na vida sacerdotal, ou ainda pela ferocidade de seus críticos conceituais, foi se abatendo e se alquebrando pela doença.
Ao final da vida, era um homem nostálgico. A voz se mostrava ainda mais fraca e titubeante. Traído pela memória e pelos que ajudou, o velho Togun estava convicto de suas iniciativas, mas magoado e triste com o ostracismo a que fora relegado em sua Roça numa área remota de Nova Iguaçu.
Poucos foram os que o acompanharam até o fim. Poucos foram os que reconheceram seu mérito e o valor extraordinário de seu esforço para a sobrevivência do Candomblé.
Pai Altair Togun influenciou uma era. Fez escola, fez história, fez o Candomblé melhor: mais lúcido, mas claro, mais correto, mais compreensível. Ele registrou, traduziu e elucidou, trazendo luzes à ignorância e oportunidades aos interessados.
Não foi um mero tradutor. Seu trabalho assumiu uma importância singular, porque ao reparar os textos em yorubá e traduzi-los, garantiu automaticamente que a história dos Orixás, seus feitos, seus atributos e virtudes, assim como seus rituais, não fossem mutilados pelo tempo, nem pelos erros lingüísticos.
Assim a obra de Altair Togun ajudou a garantir uma tradição da qual já não se tinham mais referências gramaticais, a medida em que a língua matriz (o yorubá) que funcionava como um código de transmissão cultural estava se perdendo.
O Candomblé e toda a cultura Nagô foram literalmente resgatados pelo empenho desse homem que lutou sozinho contra um exército de ignorantes, mas que garantiu um legado eterno, herança de todos nós.
Altair Togun é um marco que divide o Candomblé em duas fases: a era da repetição e a era da compreensão.
Márcio de Jagun
Babalorixá, escritor, professor universitário, advogado e apresentador do Programa Ori (ori@ori.net.br)