A primeira vez que percebi a ligação entre Yemoja e o festival Gelede foi na comunidade de Ibara, em Abeokuta. Desde então, venho investigando como essa conexão se estabeleceu ali: de que forma Gelede encontrou Yemoja? Meu objetivo aqui não é detalhar todo o culto de Gelede, mas apresentar os caminhos dessa relação, apoiando-me em quatro fontes principais: as entrevistas publicadas no jornal nigeriano City People durante o Festival de Gelede de 2022, a obra de Babatunde Lawal The Gelede Spectacle: Art, Gender, and Social Harmony in an African Culture, os registros fotográficos e relatos de Jay Drosin, que viveu na comunidade de Ibara sem ser um pesquisador formal, e coletas pessoais que realizei na comunidade de Ibara.
Babatunde Lawal publicou seu livro em 1996, trazendo pesquisas que remontavam às coletas realizadas ainda nos anos 1970. Em 1998, Jay Drosin registrou o culto de Gelede em Ibara, Abeokuta, contribuindo de forma significativa para a documentação daquela tradição. Vinte anos depois, em 2018, estive em Ibara e pude ver de perto os registros que Drosin havia feito, presenciando ao vivo a continuidade do culto. Consegui algo especial: reconectar a família de Yemoja com aquele que lá vivera duas décadas antes, acompanhando a comunidade de dentro. Em 2025, o Gelede segue preservado, mostrando a vitalidade de uma tradição que resiste ao longo do tempo.
Nota importante:
Embora em algumas comunidades exista uma conexão profunda entre Yemoja e o culto Gelede, em outras comunidades próximas — às vezes a menos de 10 quilômetros — essa relação pode ser totalmente desconhecida. Parece que a forma como Gelede se relaciona com Yemoja varia conforme a etnia e as tradições locais que são oriundas ou que migraram com seu povo, mostrando a diversidade cultural dentro da mesma matriz Yoruba. A origem de Gelede Efe e a sua força central de estar vinculada a um Orisa, apresenta variações entre coletas, mais uma vez fortalecendo o conhecimento que as comunidades em área yoruba podem por vezes ter emergido em narrativas cujo a ideia central é fortalecer seu próprio legado ancestral em detrimento a outro que coabita o território yoruba, esse é um sintoma cultural deste povo que se aglutinou sob nome yoruba mas não esquece sua origem étnica.
Você sabe o que é Gelede?
O nome Gelede, sem dúvida, é até mais popular, mas o correto seria chamarmos de Gelede e Efe, pois Gelede é apenas uma das manifestações contidas: a matriarca amante da dança, e Efe, o humorista, contudo aqui também tomei a liberdade de falar apenas Gelede e outras horas Gelede Efe.
Brevemente, sobre os principais aspectos do culto de Gelede-Efe, por Babatunde Lawal:
Origem histórica / geográfica
Há diferentes opiniões sobre onde exatamente o Gelede surgiu “historicamente” entre os Yoruba Alguns lugares citados incluem Ketu (hoje no Benim), Ilobi (associado a Ketu) e também conexões com o antigo Oyo. Lawal examina essas tradições orais, cerimônias locais e diferentes testemunhos para situar as origens e a forma como se propagou.
O Gelede é definido por Lawal como um espetáculo que une arte, religião e sociedade. Ele não se limita à dança e às máscaras: é uma instituição que regula a vida comunitária, celebrando valores coletivos e ensinando boas condutas por meio de performances públicas.
Uma de suas funções centrais é promover a harmonia social. O espetáculo é visto como um tribunal aberto em que canções, sátiras e máscaras expõem comportamentos inadequados.
O aspecto moral aparece de forma constante. O Gelede reforça a importância do bom caráter (iwa pele) e condena vícios como ganância, desrespeito aos mais velhos, abuso de poder ou adultério. Cada apresentação traz uma lição ética, transformando a diversão em ensino.
As máscaras, analisadas por Lawal, são parte fundamental desse processo. Elas não são apenas belas esculturas, mas sim mensagens visuais. Animais, pessoas e cenas do cotidiano são representados como parábolas em madeira. Cada figura ensina uma advertência, um valor ou um comportamento esperado.
Outro ponto essencial é a relação do Gelede com o poder das mulheres. O autor mostra que o espetáculo existe para reconhecer e equilibrar a força espiritual feminina. Esse poder é ambivalente: pode abençoar com fertilidade e prosperidade, mas também punir com esterilidade ou desgraça.
Ao homenagear as mães e a Grande Mãe (Iya Nla), o Gelede legitima o lugar central das mulheres na cosmologia ioruba. A sociedade masculina que organiza o espetáculo reconhece que sua autoridade depende do respeito a esse poder feminino. Nesse sentido, o Gelede é tanto um ritual de arte quanto um pacto social.
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É importante salientar que, dentro das comunidades com acesso ao culto de gelede-efe, fazer oferendas rituais para gelede pode ser recomendado pelos oráculos, desde casos para buscar ter filhos, ou apartar conflitos sociais, as consultas podem ser realizadas por Erindilogun, obi, orogbo ou ifá.
Exemplos de versos de Ifá que aparece Gelede:
Popoola : Odu ifá Odi Oyeku
Ìdín Yekù yekete
Mensagem de Ifá para os habitantes de Ìmàlá Ètà,
Onde se deve propiciar as máscaras de madeira para receber todas as bênçãos da vida.
Quando lamentavam a incapacidade de receber a bênção de ter filhos
Foram aconselhados a oferecer ebó
E a alimentar os Gèlèdè.
Eles cumpriram.
Eis o povo de Ìmàlá Ètà,
Descendentes daqueles que propiciam a máscara de madeira para receber todas as bênçãos da vida.
È recomendado além de oferendas que a pessoa participe do festival.
Popoola : Odu ifá Ika Oyeku
Ìká Yekù–yekete,
Ifá lançou para os habitantes de Ìbàrà,
Aqueles que propiciam a imagem esculpida antes de dar à luz seu próprio filho.
Foi-lhes aconselhado oferecer ebo.
Eles cumpriram.
Em pouco tempo, não muito distante,
Reuniram-se conosco em meio a muitas crianças.
Deve propiciar gelede para ter sucesso na maternidade.
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Yemoja e Gelede-Efe
As narrativas contidas em versos de Odu mostram os laços estreitos com o culto de Yemoja, sugerindo que ela teria dado origem ao culto de Gelede e Efe, por ter enfrentado problemas de infertilidade.
A origem do Gelede está profundamente ligada a alguns mitos narrados de Yemoja, inicialmente estéril sob o nome de Yewajobi. De acordo com o Odu Iwori Meji do Ifá (Lawal), o oráculo lhe prescreveu um sacrifício específico para curar sua infertilidade, incluindo oferendas de milho branco, louças e a confecção de imagens de madeira (ere). O ritual exigia que ela dançasse com essas esculturas usando tornozeleiras de metal confeccionadas por Ogun. Após cumprir o ritual, Yewajobi recuperou sua fertilidade e deu à luz dois filhos: Efe, o humorista, e Gelede, descrita como obesa e amante da dança. Este episódio explica a associação do Gelede com a fertilidade feminina e as formas volumosas de suas máscaras. Yewajobi foi subsequentemente identificada como Yemoja, “a mãe de todos os orisa e de todos os seres vivos”, solidificando a relação entre a divindade das águas e a instituição do Gelede.
O Olubara Oba Samuel Adesina atribuía a origem do Gelede a um ato de gratidão a Yemoja. Segundo ele, uma mulher estéril, seguindo conselhos de um babalawo, fez oferendas à beira do rio Ogun, incluindo alimentos, um lenço, uma faixa de bebê e esculturas de madeira. Após a intercessão de uma sacerdotisa, ela engravidou e, em êxtase, realizou uma dança ritual que outras mulheres replicaram, dando origem ao Gelede.
Em paralelo, Mama Moromisalu, Iya Yemoja, afirmava que as esculturas carregadas no festival eram o verdadeiro Gelede, representando os Ara’gbo, filhos espirituais da divindade. Ela enfatizava que cultuar Yemoja exigia também adorar esses espíritos, detalhando os vários casamentos da Orisa, inclusive com Ogun e Obatala, que gerou Sango. O ritual, portanto, reconhece Yemoja como geradora da vida e mediadora dos laços sociais, com sacrifícios específicos oferecidos à beira do rio para honrá-la e aos Ara’gbo.
Um dado especialmente curioso aparece na pesquisa de Babatunde Lawal (1971). Durante seus registros do Gelede, ele documentou um verso narrado por um antigo Araba de Lagos que Yemoja está sendo chamada de Yewajobi, no qual se diz: “Yewajobi se transformou em Awoyo”, e o verso reafirma que é Yemoja quem carrega verdadeiramente as “estatuas de madeira” de Gelede e Efe. O nome Awoyo é um dos títulos de louvor a Yemoja que significa algo como “aquela que você vê e se sente plenamente satisfeita”. Yewajobi não é um nome popular para Yemoja, contudo, neste aspecto, o nome Yewajobi significa “aquela que é a mãe de todas as coisas viventes.”
Um adendo: Orisa Yewa, proveniente do rio Yewa, tem seu nome traduzido como “nossa mãe.”
É uma tentação sugerir que, no processo de migração, Yewa foi levada junto e se fundida a Yewajobi, que teria sido absorvida e reinterpretada na figura de Yemoja (Awoyo), mas não é possível fazer essa afirmação, já que o idioma ioruba, em sua vasta expressão, contempla uma tradução literal que também faz sentido para Yemoja, que é muitas vezes tida como a grande mãe de todos.
Seja pelos relatos do Araba de Lagos ou pelas narrativas das comunidades de Abeokuta, é importante destacar que a Orisa Yemoja se espalhou amplamente pelo território, estabelecendo conexões e influências que dialogam com as tradições de povos distintos.
Outro aspecto curioso é a relação entre os Egba e os Yewa: embora não exista uma disputa cívica explícita, há uma rivalidade velada em torno da antiguidade de suas origens. É menos comum observar os Egba cultuando Gelede Efe ou o Gbagura cultuando Gelede Efe, mas ambos compartilham o culto à Yemoja como elemento unificador em suas práticas religiosas.
Como Gelede chega em Abeokuta Ibara
De acordo com as entrevistas reunidas pelo jornal City People, o culto de Gelede em Ibara teria vindo de Yewaland, às margens do Benim. O povo Ibara, embora habite Abeokuta entre outras etnias locais, preserva traços culturais profundos de sua origem Yewa (povo Yewa). Essa ancestralidade é tão valorizada que até a própria associação de Yemoja ao rio Ogun – tradicionalmente reconhecido como sua morada sagrada na cosmologia ioruba – é reinterpretada por alguns localmente para se vincular ao rio Yewa.
Esse deslocamento simbólico não apenas reafirma a identidade Ibara, como também fortalece o sentido de continuidade cultural com suas raízes. Nas entrevistas feitas durante o Festival Yemoja Gelede Efe, essa dimensão aparece de maneira recorrente: os líderes destacam a importância da ligação com o território Yewa, o valor da tradição e a preservação cultural como pilares da festa e da comunidade.
“Sou Alhaji Mutiu Ayinde Ajepeaye, o Olori Aje de Ibara.
Qual o significado do título Olori Aje?
Olori Aje é como um Ministro de Comércio e Indústria do governo federal. É o título mais alto nos negócios em Ibara.
O que você diz sobre o festival Yemoja Gelede Efe em Ibara?
É um festival do povo Ibara. Yemoja é a origem de Efe, e Efe é a origem de Gelede. Efe é feminina, Gelede masculina. Quando a mulher canta, o homem dança. Yemoja é a avó deles, deusa das águas adorada em toda terra Yoruba. ‘Yewa’, nosso nome ancestral, é nome de um rio onde Yemoja vive.“
A fala do Olori Aje de Ibara funde culturalmente Yemoja com Yewa, seu rio ancestral, para reforçar a identidade local e suas raízes. Esta é uma expressão simbólica de valorização da ancestralidade e não uma afirmação histórica absoluta. A origem tradicional de Yemoja é reconhecida ao norte do território de Oyo, distante dos territórios Yewa ou Egbado. Assim, esse discurso reflete a diversidade cultural e adaptação do culto conforme os contextos locais. É importante não generalizar essa visão única para toda tradição Yoruba. Essa fusão realça o vínculo espiritual do povo Ibara com sua terra origem próxima as margens do rio Yewa, sem desfazer as linhas reconhecidas da origem do culto de Yemoja que é também cultuada as margens do rio Yewa.
Festival Yemoja Gelede Efe em Abeokuta: Celebração da Herança Cultural dos Ibara
O jornal City People foi até Abeokuta para entender e revelar a origem do Festival Gelede, uma tradição rica e emblemática do povo Yoruba. Durante as entrevistas realizadas no festival, foi revelado que o Festival Gelede foi trazido para a comunidade de Ibara, situada em Abeokuta, a partir do povo Yewa. Apesar de Ibara estar geograficamente entre a comunidade Egba, mantém fortes laços culturais com a herança Yewa, especialmente no que diz respeito ao festival.
O Festival Yemoja Gelede Efe é uma celebração bienal que une os filhos e filhas de Ibara, incluindo aqueles espalhados pelo mundo, em um verdadeiro reencontro cultural e social, enfatizando reconciliação, correção de condutas e reforço da identidade ligada à ancestralidade e à orixá Yemoja, a deusa das águas e da maternidade afirma o jornal.
Entrevistas Literais Preservadas no final do texto.
A Jornada Intelectual de Lawal
O ponto de partida do autor é o entendimento de que, entre os Yoruba, a ideia de origem (ipilẹṣẹ) se apresenta de forma dupla. De um lado, existem os relatos míticos preservados nos versos, que ligam a criação aos orisa. De outro, há as narrativas históricas transmitidas oralmente, que buscam localizar acontecimentos no tempo e no espaço. Lawal procura analisar essas duas dimensões em conjunto, reconhecendo tanto o valor simbólico dos mitos quanto as pistas históricas contidas na tradição oral.
O Testemunho do Odu Iwori Meji
Em resposta à investigação sobre as raízes do Gelede, o chefe Ajanaaku, de Lagos, recitou o seguinte ese Ifa proveniente do Odu Iwori Meji, usualmente transmitido em forma poética, acompanhado de uma narrativa explicativa:
Tradução :
“Você está me olhando, eu estou te olhando.
Quem tem algo escondido entre nós dois?”
Assim declarou o oráculo para Yewajobi,
Que chorava por não conseguir ter filhos,
E estava sofrendo muito por não ter um bebê para carregar nas costas.
Ela foi aconselhada a oferecer sacrifícios:
muito milho branco, muitas louças,
além de encomendar imagens de madeira.
Com elas deveria dançar,
usando tornozeleiras de metal nos pés.
Assim, tornar-se-ia mãe.
Yewajobi seguiu as instruções,
e logo começou a dar à luz.
Canto: Yewajobi tornou-se Awoyo,
a mãe da criança que dança.
Tornou-se Awoyo,
detentora das imagens com que se dança.
A narrativa posterior ao verso identifica Yewajobi como Yemoja, “a mãe de todos os orisa e de todos os seres vivos”. Incapaz de gerar filhos após seu matrimônio com Oluweri, originário de Ketu, ela buscou orientação no oráculo. Após o cumprimento dos sacrifícios — farinha de milho, louças e imagens de madeira — e a dança ritualizada com tornozeleiras de ferro, confeccionadas por Ogun, Yemoja reencontrou sua fertilidade.
Obs: nem todos acreditam que Oluweri é originário de Ketu, e que foi casado com Yemoja.
Oluweri é tido como uma guardiã espiritual dos corpos de água, cujo as orisa femininas ligadas à água conseguem governar.
Seus filhos receberam epítetos reveladores: o primogênito, Efe (“o humorista”), caracterizado por seu temperamento brincalhão; e a filha, chamada Gelede, descrita como obesa e amante da dança. Tais qualificações explicam, como observa Lawal (1996, p. 53), o porquê de muitas máscaras femininas de Gelede apresentarem formas volumosas, intimamente ligadas ao gesto dançante.
Os descendentes de Efe e Gelede, seguindo as instruções do oráculo, reiteraram os rituais da mãe e perpetuaram o complexo mascarado como instituição coletiva. A dança então se consolidou como prática com eficácia específica para mulheres em busca de fecundidade, tendo Yemoja como matrona protetora.
Testemunhos Históricos: Abeokuta e Ibara
Relatos coletados por pesquisadores em Abeokuta e Ibara reforçam esse quadro simbólico.
O Olubara Oba Samuel Adesina atribuía o surgimento do Gelede a um ato de gratidão para com Yemoja, divindade das águas, célebre por sua capacidade de conceder filhos. Uma mulher estéril, instruída por um babalawo, ofereceu alimentos (onje), um lenço feminino (gele), uma faixa de bebê (oja) e esculturas de madeira (ere) às margens do rio Ogun, domínio da divindade. Após a intercessão da sacerdotisa de Yemoja, engravidou. Em êxtase, conduziu uma dança ritual nas margens do rio, gesto que foi repetido por outras mulheres, estabelecendo o núcleo do espetáculo Gelede.
Em paralelo, Mama Moromisalu, Iya Yemoja, em entrevista de 1971, descreveu que “as esculturas de madeira carregadas pelas mulheres no festival de Yemoja são o verdadeiro Gelede”. Para ela, Gelede representa os Ara’gbo, filhos espirituais de Yemoja, de modo que cultuar Yemoja implica cultuar igualmente seus filhos-espírito.
Nesse mesmo testemunho, Yemoja é apresentada em suas uniões matrimoniais: com Okere, Ogun, Orisa-Oko e Obatala, de quem teria gerado Sango. A ritualidade do Gelede, portanto, deriva do duplo reconhecimento: Yemoja como geradora da vida e como mediadora dos vínculos sociais.
Trecho destacado:
“As esculturas de madeira carregadas pelas mulheres durante o festival de Yemoja são o verdadeiro Gelede.
Gelede são os filhos-espíritos (Ara’gbo) de Yemoja.
Gelede é a associação dos filhos de Yemoja.
Quem quiser adorar Yemoja, também deve adorar Ara’gbo.
Yemoja já foi casada com Okere.
Ela também foi casada com Ogun,
Quando deixou Ogun, casou-se com Orisa-Oko (deus agrícola).
Como Orisa-Oko não podia ficar sem comer inhame, ela o deixou.
E também foi casada com Obatala.
Obatala gerou Sango (deus do trovão); Yemoja era a mãe.”
Quem quiser que Yemoja aceite seu pedido deve oferecer sacrifícios à beira do rio, com pombo, nozes de cola e outros itens numa cuia levada ao barqueiro que deposita no rio.
Quem desejar adorar Ara’gbo deve cozinhar e servir pratos de inhame, farinha de milho e similares.
Vale ressaltar que comunidades de orisa em diferentes regiões podem ter entendimentos divergentes sobre os casamentos de Yemoja e alguns dos dados apresentados.
Em uma pesquisa do jornal pelo jornal Fatherland Gazette 2019, foi investigada uma linha que associa o surgimento do Gelede à transição histórica de uma sociedade matriarcal para uma patriarcal. Segundo a apuração, embora a cerimônia de Gelede possa ocorrer em diferentes períodos do ano — para melhorar a condição individual, eliminar pestes da comunidade, estimular chuvas, aumentar a fertilidade, buscar apoio das forças sobrenaturais e das “mães poderosas” em tempos de conflito, além de homenagear os mortos — o ápice da festa se dá durante o festival anual.
De acordo com a pesquisa, as datas do festival são geralmente determinadas por meio de adivinhação, momento em que a Iyalase notifica o chefia máxima da comunidade e seus principais auxiliares. Em seguida, mensagens são enviadas para todos os membros da sociedade Gelede que estejam ausentes ou envolvidos em outras atividades para garantir sua participação na celebração.
A matéria também relata que o festival inicia com um concerto noturno chamado Efe, no qual a máscara masculina homônima é apresentada. Essa máscara utiliza da sátira para tanto entreter quanto promover reflexões educativas, alinhadas à busca da sociedade Gelede pela paz e estabilidade social.
Após a apresentação do Efe, os participantes costumam descansar durante a manhã para se prepararem para a dança da tarde, que acontece no mercado. Nesta etapa, pares de dançarinos masculinos executam movimentos rápidos e dinâmicos acompanhados por ritmos vigorosos.
A pesquisa ainda que as cerimônias de Gelede são um espetáculo completo, incluindo dança coreografada, canto, música e percussão intensa. Os atores são homens que vestem máscaras elaboradas, cujas esculturas retratam desde animais e pessoas até máquinas de costura e tambores. O dueto mascarado simboliza mulheres com a finalidade de divertir, agradar e apaziguar as “mães” — figuras espirituais consideradas extremamente poderosas, capazes de exercer influências tanto benéficas quanto prejudiciais, especialmente relacionadas ao parto — poderes esses que podem ser manifestados consciente ou inconscientemente.
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O rei Olubara falando sobre a descendência Yewa:
Estávamos Aqui Antes do Rio Ogun Ter Peixe”, Declara Olubara em Discurso sobre Autonomia de Ibara
Em um discurso, o Olubara de Ibara, Oba, usou uma expressão para defender a antiguidade e autonomia do seu reino: “Nós estávamos aqui antes do Rio Ogun ter peixe”. A declaração, que evoca uma ancestralidade profunda e uma ocupação primordial da terra, foi o ponto central de sua argumentação contra a narrativa que subjuga Ibara à confederação Egba.
A fala, proferida durante a entrevista para o jornal tribune news em 27 de maio de 2017, delineou uma história de migração distinta desde Ile-Ife, culminando no estabelecimento de Ibara-Orile em 1634. Segundo relatos tradicionais, o povo Ibara iniciou sua jornada a partir de Ile-Ife, seguindo orientações do oráculo Ifá, que guiava seus passos e dizia quando e para onde migrar. A migração foi gradual e a pé, passando por vários assentamentos, tais como o antigo Oyo, Igbeti e Jabata, onde o grupo permanecia por algum tempo para cultivar a terra e garantir sua sobrevivência.”Nossa jornada, guiada por Ifá, nos trouxe até esta terra muito antes da chegada de outros grupos. Fundamos nosso reino, cultivamos nossa cultura e estabelecemos nossas leis em uma época imemorial”, afirmou o monarca.
A metáfora do Rio Ogun, um marco geográfico fundamental na história dos Egba, serve para ilustrar que a existência de Ibara é anterior até mesmo à formação da identidade e do território daqueles que viriam a fundar Abeokuta em 1830. “Recebemos os recém-chegados Egba quando eles aqui aportaram, fugitivos das guerras que se seguiram ao colapso de Oyo. Eles encontraram uma sociedade já organizada, com sua própria liderança e tradições”, declarou o Olubara.
O rei foi enfático ao rejeitar qualquer ideia de que seu título é uma criação do Alake de Abeokuta. “O Olubara não é uma criação de nenhum Oba em terras Egba. A restauração de nossa coroa em 1952 foi um acto de justiça, um reconhecimento tardio de que sempre fomos uma soberania distinta, do povo Yewa, e não Egba”.
Os Ibara são (egbado – Yewa) e não egba(s).
Considerações Finais
A relação entre Yemọja e o Gẹ̀lẹ̀dé, como enfatiza Lawal (1996), é um dos eixos centrais para a compreensão do espetáculo. A maternidade da divindade, sua associação às águas geradoras e seu papel como matrona das mulheres tornam-na a figura fundamental da instituição.
As tradições orais, corroboradas pelos versos de Ifá, pelos testemunhos de sacerdotes e reis locais e pelas descrições etnográficas modernas (Beyioku, 1946; Vansina, 1985; Drewal & Drewal; Lawal, 1996), apresentam um quadro convergente: o Gẹ̀lẹ̀dé emerge da intersecção entre sacrifício, fertilidade, proteção contra forças negativas e celebração da vida, tendo Yemọja como patrona e fonte de legitimação ritual.
Yemojagbemi Arike – Renata Barcelos
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Entrevistas completas feitas pela city people magazine durante o festival de gelede em ibara 2022:
Akeem Ajobiewe
“Para o propósito desta entrevista, por favor, me diga seu nome.
Meu nome é Ajobiewe Akeem Gbadebo. Eu sou da família Ajobiewe Ojiomeso em Ibara.
Hoje é o início do Festival Yemoja Gelede Efe em Ibara. Sobre o que é o festival?
Deixe-me começar assim. Todos nós sabemos que o Festival Osun-Osogbo é sinônimo do povo de Osun na terra dos Yoruba. É a mesma coisa que o Festival Yemoja Gelede Efe é para o povo Yewa no Estado de Ogun. E Ibara é uma comunidade do povo Yewa que, curiosamente, fica localizada dentro da cidade de Abeokuta. Isso significa que somos o único povo que celebra o Festival Yemoja Gelede Efe em Abeokuta.
Qual é o conceito do festival?
É a cultura, é a tradição dos filhos e filhas de Ibara. Sabemos que existem filhos e filhas de Ibara fora do Estado de Ogun e até fora da Nigéria. Usamos o festival para reunir todos esses filhos e filhas espalhados pelo mundo. É como um festival de reencontro para esses filhos e filhas dispersos globalmente. Além disso, o tema do festival é corrigir os erros entre nosso povo e celebrar aqueles que fazem boas ações na comunidade. Se você estiver errado, diremos que está errado; se estiver fazendo bem, parabenizaremos para continuar assim.
Na família Ajobiewe em Ibara, seu pai liderava o festival, mas você assumiu essa responsabilidade dele. Quando exatamente isso aconteceu?
Meu pai assumiu do seu pai, meu avô, muitos anos atrás. Embora eu não tenha conhecido meu avô, assumi do meu pai há dois anos. O festival é bienal, ocorre a cada dois anos. Então, esta edição de 2022 é meu segundo festival representando a família Ajobiewe. Existem outras famílias de Ibara que também têm um representante em seus próprios grupos para o festival. Atualmente, temos cerca de cinco famílias participando ativamente, embora na última vez fossem apenas três.
Quais são algumas das atividades do festival?
A primeira noite é chamada de ‘Noite do Efe’. Durante essa noite, o representante de cada família que participa do festival sobe ao palco para mostrar seu talento em ‘Efe’ (uma performance de canções e dança com mensagens profundas para o público) em um espaço aberto. Nos seis dias seguintes, há cantoria e dança pelas ruas pelos filhos e filhas de Ibara.
Como o festival afetou sua vida pessoalmente?
Onde quer que eu esteja, sempre digo às pessoas que sou de Ibara. E isso se manifesta em mim. Sempre que estou prestes a fazer algo errado, lembro de onde venho e das canções que nos alertam contra o erro. Isso realmente ajudou a moldar minha vida e personalidade até hoje.
Finalmente, seu avô passou para seu pai, e seu pai passou para você a liderança do festival. Você pretende passar para seu filho no futuro?
O problema é que não se pode forçar interesse nessas coisas. Meu pai me passou porque eu tinha interesse. Se meus filhos não se interessarem, talvez eu não passe para eles, pois ainda tenho irmãos mais novos e primos que demonstram interesse. Portanto, não necessariamente serão meus próprios filhos que continuarão, mas alguém da família que tiver interesse.”
Yekeen Adetunji Ajobiewe (pai de Akeem)
“Para o propósito desta entrevista, pode me dizer seu nome?
Meu nome é Yekeen Adetunji Ajobiewe.
O que é o Festival Yemoja Gelede Efe?
O festival tem como objetivo reunir todos os filhos e filhas de Ibara. Se houver desentendimentos entre eles, dizemos que isso não deve ser assim; mostramos o caminho correto e reconciliamos as pessoas.
Então, o festival é principalmente para reconciliar o povo de Ibara?
Sim, mas não se limita a isso. Alguns também têm problemas conjugais e ajudamos a resolver de forma amigável. Então, é um festival de reconciliação e união.
Vocês conversam com todos durante o festival ou só com quem tem problemas?
Se possível, falamos com todos em geral, mas quando necessário, tratamos separadamente os que têm problemas.
Há quanto tempo o povo Ibara celebra o festival?
O festival ocorre a cada dois anos, mas não posso dizer desde quando exatamente Ibara o celebra. Conheci meu pai celebrando antes de assumir. Eu lidero a família desde 1952. Meu pai já o fazia antes. Agora meu filho Akeem assumiu e acredito que ele continuará bem.”
Yahya Odunjo (Efe de Ibara)
“Para o propósito da entrevista, diga seu nome.
Meu nome é Yahya Odunjo. Sou conhecido como ‘Efe de Ibara’, chefe de todos os artistas Efe de Ibara. Sou da linhagem Odunjo, e o nome do nosso mascarado Efe é ‘Akoko Bi Owu, Amu L’enu Bi Abe’.
Como Efe de Ibara, quais são suas responsabilidades?
Minha responsabilidade é garantir a unidade das famílias que participam da cerimônia Efe como parte do Festival Yemoja Gelede Efe, além de aumentar o número de participantes. Muitos deveriam participar, mas têm medo. Eu mesmo demorei seis anos para ser convencido a me juntar aos artistas Efe. Akeem Ajobiewe e o falecido Baba Aweloh foram importantes nesse processo. Antes, as atividades de Yemoja, Gelede e Efe ocorriam separadamente, mas conseguimos integrá-las e isso foi possível graças a nós coordenadores.
O festival pertence ao povo Yewa, do qual Ibara faz parte, mesmo situado em Abeokuta. O festival também é realizado nas comunidades Yewa tradicionais?
Sim, acontece lá como aqui.
Vocês convidam pessoas de lá para o festival em Abeokuta e vice-versa?
Sim. Pelo menos dois artistas Efe de Yewa vêm como convidados, e nós vamos quando o festival é lá.
Quais medidas tomam para garantir a continuidade do festival?
Incentivamos participação de pessoas com educação e simpatia como Akeem Ajobiewe, que trouxe uma grande mídia para divulgar o evento. Com passos assim, preservaremos a cultura para futuras gerações.
Qual seu conselho a outros povos Yoruba que abandonaram a cultura?
Digo que eles não estão fazendo bom para si. Cultura é diferente de religião. Nossa identidade é na cultura. Nossas crenças religiosas têm enfraquecido nossa cultura, o que nos prejudica. Se aprendermos a gerir cultura junto com religião, viveremos melhor.”
Alhaji Mutiu Ayinde Ajepeaye (Olori Aje de Ibara)
“Por favor, diga seu nome.
Sou Alhaji Mutiu Ayinde Ajepeaye, o Olori Aje de Ibara.
Qual o significado do título Olori Aje?
Olori Aje é como um Ministro de Comércio e Indústria do governo federal. É o título mais alto nos negócios em Ibara.
O que você diz sobre o festival Yemoja Gelede Efe em Ibara?
É um festival do povo Ibara. Yemoja é a origem de Efe, e Efe é a origem de Gelede. Efe é feminina, Gelede masculina. Quando a mulher canta, o homem dança. Yemoja é a avó deles, deusa das águas adorada em toda terra Yoruba. ‘Yewa’, nosso nome ancestral, é nome de um rio onde Yemoja vive.
Qual conselho para outros grupos Yoruba que deixaram a cultura?
Não devemos abandonar a cultura por causa da religião. Cultura, tradição e religião são diferentes. Se mantivermos nossa cultura junto da religião, ficaremos melhores.”
Chief Fatunbi Ayinde Adeniji (Baagbile de Ibara)
“Por favor, diga seu nome.
Sou Chief Fatunbi Ayinde Adeniji, o Baagbile de Ibara, e o Oluwo de Ijaale.
O que significa o título Baagbile em Ibara?
É um título Ogboni. A confraria Ogboni busca sempre o progresso da comunidade.
Na sua perspectiva, qual o significado do festival Yemoja Gelede Efe em Ibara?
Como celebramos o festival Osun-Osogbo, celebramos em Ibara Yemoja Gelede Efe. Cuidamos do culto do rio Odo-Ogun em Abeokuta porque compreendemos a deusa do rio. É por isso que o rio nunca causou desastres graves.
Que conselho para outros grupos Yoruba que não celebram cultura como vocês?
Nada é melhor do que celebrar nossa herança cultural, porque isso é quem somos. Devemos sempre celebrar e preservar nossa cultura. Não devemos esquecer nossa origem. Um rio que esquece sua fonte seca.”
Chief Musbau Oloyede (Baasegun de Ibara)
“Por favor, diga seu nome.
Sou Chief Musbau Oloyede, o Baasegun de Ibara, líder dos artistas Yemoja, Gelede e Efe, e também o Awise de Egba Land.
Qual o significado do seu título Awise?
Sou herbalista tradicional; o título vem da minha profissão. Sou Awise de todos os herbalistas tradicionais em Egba Land.
Qual a importância do festival Yemoja Gelede Efe em Ibara?
O festival é nossa origem como povo. Nós cultuamos Yemoja antes de cantar Efe e dançar Gelede. Não fazemos Efe e Gelede sem antes cultuar Yemoja. Cultuamos Yemoja todo ano, e Efe e Gelede a cada dois anos.
Quais benefícios para Ibara com o festival?
Muitas mulheres com dificuldade para engravidar têm filhos depois de cultuar Yemoja. A lenda do Efe e Gelede é que ambos pediram a Yemoja filhos. Depois que Yemoja concedeu, começaram a cultuar ela com cantorias e danças, hoje celebradas como Efe e Gelede.”
Chief Okanlawon Oyewole (Baaroyin de Ibara)
“Por favor, diga seu nome.
Sou Chief Okanlawon Oyewole, o Baaroyin do Reino de Ibara.
Por que o Reino de Ibara celebra Yemoja, Gelede e Efe?
Celebramos para agradecer a Yemoja, a deusa do rio, mãe de todos os descendentes de Olodumare, o Criador. Ela dá filhos às mulheres com dificuldades. A Efe e Gelede prometeram celebrar Yemoja em agradecimento. Desde então o festival começou, e ninguém em Yewa celebra Yemoja como nós, povo de Ibara.
Como mantém a tradição?
Digo categoricamente que Yemoja, Efe e Gelede nunca acabarão em Ibara. Temos nova geração assumindo, como Akeem Ajobiewe, graduado e inteligente, que assumiu em 2020 depois do pai. Ele está fazendo um ótimo trabalho e conheço seus filhos e irmãos que continuarão. Isto não é idolatria, muitos confundem. Celebrar cultura não impede religião. Akeem é muçulmano, e outros são cristãos.
Que conselho daria para grupos Yoruba que abandonaram a cultura?
Não confundam religião com cultura. Apelo para que não permitam que a religião destrua a cultura. Abracem a cultura. Quando forem à igreja ou mesquita, saibam diferenciar cultura e religião.”
Referências
- BEYIOKU, 1946.
- Poopola – livro Odu ifá.
- DREWAL, Henry & DREWAL, Margaret. [Relatos coletados em Ẹ̀gbádò e regiões adjacentes].
- LAWAL, Babatunde. The Gẹ̀lẹ̀dé Spectacle: Art, Gender, and Social Harmony in an African Culture. Washington: University of Washington Press, 1996.
- VANSINA, Jan. Oral Tradition as History. Madison: University of Wisconsin Press, 1985.
- https://tribuneonlineng.com/ibara-first-settlement-abeokuta-olubara-ibara/amp/
- https://fatherlandgazette.com/nigerian-people-and-culture-the-gelede-spectacle/
- https://www.citypeopleonline.com/yemoja-gelede-efe-festival-holds-in-abeokuta/