O outro lado – O pior cego é aquele que não quer ver.
São zilhões de cartazes, posts e sites que vendem “maUcumba”.
A palavra usada aqui significa “trabalho maléfico”, como é vulgarmente conhecida. Cultuo Orisa e também quero enfrentar essa prática. Será que a igreja e a mídia ajudariam?
A maUcumba se tornou um problema social, uma questão criada pela igreja, desde que Exu foi traduzido como Diabo e desde que nos convenceram de que os cultos de origem africana não poderiam ter espaço na sociedade. Levados pela necessidade de sobreviver, começamos um processo de aparente catequização, a fim de conter as ameaças e melhorar a percepção do culto de Orisa.
Enaltecer o diabo em nós foi a arma católica mais poderosa para combater, e com isso, deram origem ao mercado do mal. O mal se instalou! O pior tipo de ameaça estava por vir e viria pelo que se tornaria o primeiro poder de nosso país: a Mídia.
Subvertemos valores. De joelhos no chão, ficamos felizes quando personagens proeminentes na mídia eram pais de santo. O ilustre e talentoso Chico Anízio com seu personagem “painho” (https://www.youtube.com/watch?v=b9zmDfH_eGQ) nos ensinou a rir de nós mesmos. Muitas novelas deram espaço, algumas retrataram os cultos africanos como perversos, enquanto outras adotaram um tom irônico, destacando o charlatanismo. Os humoristas de hoje, como o canal “Porta dos Fundos,” com vídeos como “Ogum” que traz a pessoa amada após um trabalho – (https://www.youtube.com/watch?v=rpQR-TCt2xs), acumularam episódios dedicados aos Orisa para nos fazer rir. E nós? Rimos! Para ser justo, algumas novelas trataram o tema com respeito, e alguns canais deram espaço a sacerdotes de matriz africana, principalmente no início de cada ano, para prever o Orisa regente. Isso, no entanto, não conseguiu reparar todos os danos.
Nós nunca fizemos aos outros o que fizeram conosco. Censurar a imprensa e boicotar nunca foi considerado, assim como nunca recorremos à violência ou ao terrorismo, pois como Cristo ensinou, sempre oferecemos a outra face e fomos atacados.
Em um país onde a educação nunca foi prioridade, nem os melhores livros de nossa religião conseguiram reverter o quadro. Pierre Verger, que fotografou e registrou a beleza do culto africano, tornou-se sinônimo de intelectual dentro do espaço religioso e ainda é. Alguns afirmam que ele foi boicotado dentro dos templos religiosos, pois a africanidade que ele representava era ameaçadora. E hoje, vemos que a ameaça estava em nós mesmos.
A academia e os artistas apoiaram. O sentimento de que pelo menos tínhamos algum espaço também dominou a Marquês de Sapucaí, com reproduções belíssimas das escolas de samba. As escolas de samba introduziram Exu na comissão de frente e dedicaram carros inteiros a Yemoja, Osun Obalauye, lindo, lindo, lindo! E a mídia repetiu os nomes dos Orisa durante a transmissão.
Mesmo aqueles que não gostam das religiões africanas cantam “Axé” sem saber o que significa. “Tem guitarra de rock and roll, batuque de candomblé, vai lá para ver.” “Corre, Cosme chegou… alegria de ere é ver gente sambar,” etc. Conseguimos conquistar um espaço no carnaval, que também era demonizado pelos cristãos por muitos anos.
Quando ganhamos espaço, era o mesmo espaço que Cristo recusou. Time is Money – tempo é dinheiro… e na TV, tempo é dinheiro, meu bem!
A mídia funciona assim: frequência x alcance x público – quanto mais você exibe, onde chega e a quem atinge, mais paga e aparece para um público maior. Quanto maior a audiência, mais empresas patrocinam, e a televisão ganha dinheiro, aumentando o custo para exibir comerciais. Dispensar um grande evento significa perder dinheiro. A “globulosa” de televisão tem raízes no Rio de Janeiro. Pá na cara!
Na época da perseguição, o demônio saía, e os terreiros eram fechados durante a quaresma. É nesse período que Orisa estava na tela, subvertendo a ordem católica. Logo, a TV se recuperava, limpando sua imagem com filmes católicos e a encenação da Paixão de Cristo, com cobertura em várias cidades. Os padres celebram a missa pela manhã, e a Missa do Galo é transmitida do Vaticano para todo o país. Quando lavamos o Senhor do Bonfim, ganhamos 10 segundos nos noticiários locais. A festa de Iemanjá com Nossa Senhora dos Navegantes nunca foi transmitida ao vivo para toda a nação. Mas deixe-me contar um segredo: só podemos estar na televisão quando a igreja declara que estamos no período das trevas. Então, o Carnaval, deixe-me usá-lo antes que nada.
Agora é a vez da política evangélica e da televisão evangélica, com um poder de alcance e frequência absurdos, atestando a ordem católica. Somos adoradores do MAL!
O país laico, não me faça gargalhar. O país pertence àqueles que têm mais poder e dinheiro. O Cristo Redentor com os braços abertos recebe a todos no morro do Rio de Janeiro. Os evangélicos dominam os canais de TV e a bancada política. Felizmente, temos o Dique do Tororó, e não é pouca coisa. Temos casas com patrimônios tombados, e conquistamos mais direitos para nossos cultos.
Nossos esforços são de abnegação. Limpamos escadas, pintamos Orisa de branco e colocamos imagens de santos católicos em nossos templos. Levamos comunidades para a missa e até mesmo ao ato mais sagrado, quando permitimos que o iyawo receba a bênção do padre. Mesmo os mais respeitados (e, claro, alvos principais) tinham terços nas paredes de suas casas. Até mesmo no Gantois, onde a casa ostenta uma imagem de São Jorge em seu salão, existem terços.
Também criamos uma religião nova, fundida com o catolicismo, onde até colocamos terços nas mãos dos “pretos-velhos,” que morrem na Aruanda e retornam para reafirmar a fé cristã. Você entende isso como uma crítica? Pense novamente. As 7 linhas da Umbanda têm a presença do Orixá, mas o negro é católico. Ali, entendemos que o Deus pode ser único, desde que esse Deus seja o Deus católico. Sabemos sobre Adão e Eva, mas muitos praticantes de Orisa não sabem que Obatalá, não Olodumare, criou os seres humanos. Se a energia é uma, temos um problema teológico/cosmológico a ser resolvido. Continuamos a esconder nossa africanidade, usando disfarces, esperando que as coisas melhorem.
Terreiros estão sendo depredados, e o famoso padre fala sobre macumba. E, por anos, aceitamos a Cristo (provocação), porque eles ainda estão fazendo isso conosco?
A luta para dissociar Exu do Diabo é alvo de manifestações anuais na Nigéria. A UNESCO interveio para ajudar a preservar o patrimônio Orisa lá. E aqui, brasileiros sem mimimi. Ainda queremos abraçar o terço católico que o rio Osun foi nomeado em nome da escravização, mas, em nome do quê? Tradição.
Sem confundir tolerância com concordância, entendimento com respeito, e sem confundir história com obrigação de repetição eterna. Museus estão aí para isso. Quando algo está obsoleto, ele entra para o museu, e lembramos da história. E seguimos…
Se alguém começa a dizer nesta altura que isso é Umbanda, aquilo é Candomblé, e aquilo outro é Quimbanda, e aquilo é Batuque… e aquilo é Ifá… não perca seu tempo. Você perdeu a ideia de que um cristão vê tudo como a mesma coisa.
Caro padre, a maioria dos cultos afro não tem relação com a prática do mal. E aqueles que têm são nosso problema para resolver. É evidente que nem tudo o que está nas ruas é um trabalho com intenções negativas, mas será que você pode negar que algumas pessoas fazem isso? Elas fazem! Por isso, padre, estou com você na busca por acabar com essa macumba que você mencionou. Porque não aguento mais tanta influência maléfica da ordem cristã nos Orisa!
Agora, a parte ruim…
O Chapolin Colorado diria: “Não contávamos com a astúcia daqueles que cultuariam o Exu Diabo.” Sem hipocrisia, sabemos que eles existem, e não contávamos com a falta de respeito e o orçamento que alguns usariam para criar cartazes sobre “amarrações”, para trazer o amor de volta ou destruir inimigos. Com folhetos espalhados, cartazes em todos os postes da cidade, e hoje, com a internet, sites e redes sociais dedicados à “macumba,” sim, essa pecha maléfica. Não contávamos com pessoas irresponsáveis, como em qualquer lugar, que se aproveitariam dos nomes dos Orisa para vender o mal, o mal. Olhe para trás neste texto; ele é mais construído do que o Bem. Tolerância, tenho. Concordância, não. Principalmente porque não temos chance de saber o que é o quê, e muitos de nós nem sequer sabem.
“Como é grande a família do diabo” – um ponto cantado em todas as casas. O mal traz poder para aqueles que o dominam. Assim, criamos o mercado e demos tanto poder ao diabo. Realmente, fomos convencidos de que o mal é poderoso. O diabo concretizou! Ele se aproveitou de nossa religião, existindo dentro dela e afastando as pessoas que cultuavam e praticavam sua africanidade, seus Orisa, Nkissi, Vodoun, entidades, para a subversão, hoje amparada pela lei de liberdade religiosa. Não fechamos os olhos!
Na luta contra a vitimização e a má fé, o oportunismo talvez seja considerado um defeito de nascença, assim como a busca de ganho no mercado. O mercado tem a fé como seu alvo, tão antigo quanto a venda de indulgências, a compra de um pedaço do céu ou o pagamento do dízimo para um pastor. Oh, não se surpreenda; a escola do mercado da fé existe há muito tempo.
O comprador, em grande parte, vem de outras religiões, muitas vezes chegando em desespero, disposto a fazer qualquer coisa, contaminado pelo que a televisão mostra, pedindo por tudo, até inventando sua própria macumba: “Se eu te der um bode preto, não dá certo?” Eles chegam querendo trabalhos – “Eu preciso ficar com ele de qualquer jeito.” Em locais sérios, eles são orientados ou convidados a sair. Em outros locais, pagaram e receberam. Essas são as pessoas de quem não estamos negando a existência. A culpa é compartilhada, e para esconder o “trabalhinho,” eles falam mal da religião Orisa para todos.
O comércio – sempre o comércio – impulsionou o diabo com facilidade tremenda. Fabricantes de esculturas para igrejas passaram a fazer imagens para nossas casas. Vamos às compras! Exu com capa e chifres se parece vulgarmente com o diabo de Michelangelo pintado na Capela Sistina. Assim, enchemos nossas casas com imagens de demônios com o nome de Exu aos pés, para que não restem dúvidas aos visitantes de que o culto é demoníaco. (Está ofendido? Pense novamente. Se você não cultua o diabo, por que tem uma imagem de Exu com cara de diabo católico?)
Mas, entretanto, a magia e a igreja, com seu ódio eterno – opa! Magia que ficou sendo chamada de “NEGRA” e a guerra contra a feitiçaria, o domínio do diabo, vêm de antes, está lá na Idade Média, sem nenhuma relação com Orisa. As práticas escritas por Levi em rituais de alta magia estão mais associadas ao nome de demônios conjurados e assinados – e não têm relação com Orisa, nem eram negros.
Religião e política estão ligadas eternamente na história. A verdade é que aquilo que não controlamos deve ser extinto, ou não teremos controle. Alguém já assistiu ao filme “A Vila” do diretor M. Night Shyamalan? Bem, é isso, criamos o monstro para proteger a comunidade e controlá-la, amuramos tudo, fazemos nossas leis, mas o imprevisível pode surgir dentro dela. Quando temos que ceder, deixar o muro, tentar sair, pode ser assustador, mas é necessário para salvar vidas. Os verdadeiros monstros, aqueles que podem surgir de um caráter humano torto, ficam expostos, e é preciso olharmos para dentro. Não somos iguais aos católicos, que fecharam os olhos para a Inquisição e para a pedofilia, por exemplo.
Na cadeia de controle social, a mídia é sem dúvida a ferramenta mais poderosa, com seus atores principais. Todo publicitário sabe que a repetição nunca é proporcional ao impacto do primeiro momento de exposição. Todo advogado sabe que indenizações por danos morais talvez não evitem agressões nas ruas. A mídia e seus atores, a política evangélica e católica, continuarão batendo, fazendo com que esse diabo esteja sempre mais presente. E é uma estratégia tão articulada que usar o diabo para o humor se tornou tendência desde os anos 80. E, sem hipocrisia, sabemos que essas práticas de feitiços negativos existem. Porém, o trabalho que temos é o de dissociar quem não faz de quem faz e fazer a sociedade entender que não é porque um padre é pedófilo que todos são. No entanto, isso acontece com nossa religião. Na cabeça do leigo, devotos sérios de Orisa, Nkissi, Vodoun e outras entidades são também contra a prática do mal. A má fama é compartilhada!
E como nos ofendem:
- “70% das agressões são verbais e incluem ofensas como ‘macumbeiro’ e ‘filho do demônio’.”
Por que as religiões de matriz africana são o principal alvo de intolerância no Brasil? – BBC News Brasil
Para especialistas, racismo histórico no país e ‘satanização’ promovida por movimentos neo-pentecostais explicam ofensas, abusos e atos de violência contra templos e fiéis.
DEMONIO INTERNACIONAL
Congo – 1990 – Publicado por The True Face of the Congo and Ourselves
A branca se apaixona pelo Negro, eles fazem amor, um negro mais negro em forma de diabo mata o negro.. entendeu?